25.6.08

Que repouse em revolta

No escuro, na noite estará a sua memória
no que sofre, no que supura
no que busca e não encontra
na barca destroçada no areal
na bala que deixa um rasto sibilante no espaço
na ilha de enxofre estará a sua memória.

Naquele que vive na febre e ignora as paredes
naquele que se atira e só dá pela cabeça quando ela bate nas paredes
no ladrão que se não arrepende
no fraco recalcitrante perpétuo
no pórtico destruído estará a sua memória.

Na estrada obsessiva
no coração procurando a sua praia
no amante a quem o corpo foge
no viandante que o espaço devora.

No túnel
no tormento rodando sobre si próprio
no impávido que se atreve a profanar os cemitérios.

Na órbita incendiada dos astros despedaçando-se ao chocar uns com os outros
no navio fantasma, na noiva maculada
na canção crepuscular estará a sua memória

Na presença do mar
na distância do juiz
na cegueira
na taça de veneno.

No capitão dos sete mares
na alma de quem limpa a adaga
no orgão que pelos tubos chora por todo um povo
no dia em que se cospe na dádiva.

Na fruta de inverno
nos pulmões das batalhas intermináveis
no louco na canoa.

Nos braços convulsos dos nunca aplacados desejos estará a sua memória.


Henri Michaux (Herberto Helder - Doze Nós numa Corda)

17.6.08

Untitled



Sigur Ros ( ), 1.

15.6.08

Coma quen olla un pozo

... "a Galiza onde chove o tempo inteiro, rosas que nascem do mar" (António Lobo Antunes, in Exortação aos Crocodilos)


"Veleiquí a man alongada na
direución do tempo e os ollos reptando como
un río que escorre en folgados
anuncios da final derrota no
mar e veleiquí a man concentrada de
sempre, cerciorando a condición imposible
de cada cousa e veleiquí os ollos que
capaces serían de pór ponto final á
direución do tempo e declaro formalmente que
cada intento de achega-la man - veleiquí
a man alongada cara ti e vós - afoga nas
toldadas augas dos vencidos meus
ollos, á espera dunha poboación máis fera
e leda e veleiquí o remate do
vivir, tantos e tantos anos retrasado."


"Atópome coa testa contra o muro.
Convócome a min mesmo coma quen olla un pozo.
Volta un neno perdido
por rúas de fume, por pasigos brancos,
tráxico, con tatuaxes nas meixelas
e lumes pequenos en cada dedo.
Voltan tempos ourizo de rapiña e disparos,
de angurias decoradas por cregos e trompetas,
estampas e desfiles. E todo que se para.
Locen asombros, fórmanse estalidos, redondéanse lombos,
e mamai dime algo tremendamente pedra
que me pon no meu sitio.

Retorna agora o día da ira, o tremendo intre
en que perdín os ollos e fíxenme acibeche, cactus e pedra alumbre.

e quedeime en Ourense
fitando con horror este río do tempo"


Xosé Luís Méndez Ferrín (Con pólvora e magnolias)

13.6.08

O Eu inconcluso,

13-06-1916

Cheguei, assim, ao meu 28.º aniversário sem nada ter feito na vida - nada na vida, nas letras ou na minha própria individualidade. Até agora conheci o insucesso absoluto. Durante quanto tempo, ai de mim!, terei de conhecê-lo ainda?
Quanto mais examino a minha consciência, menos me absolvo do nada que é a minha vida.
Que coisa horrível é esta que tanto me atrasou?
A minha leitura deficiente, a minha falta de espírito prático,


Fernando Pessoa (Prosa Íntima e de Autoconhecimento)

7.6.08

Lament

Here now along the long deep water
that I thought that I thought that you always
that you always

here now along the long deep water
where behind the rushes behind the rushes the sun
that I thought that you always but always

that always your eyes your eyes and the breeze
your eyes and the breeze
always ruffling ruffling the water

that always in a trembling silence
that I would always live in a trembling silence
that you always those waving rushes always

along the long deep water that your skin would always
that always in the afternoon your skin
always in the summer in the afternoon your skin

that always your eyes would melt
that your eyes would always melt in happiness
always in the motionless afternoon

along the long deep water that I thought
that I thought you would always
that I thought that happiness would always

that always the light motionless in the afternoon
that always the afternoon light your ochre-coloured shoulder
your ochre-coloured shoulder always in the afternoon light

that always your cry hanging
always your bird’s cry hanging
in the afternoon in the summer in the breeze

that always the breeze trembling that always but
always the ruffled water the afternoon your skin
I thought that everything would always I did not think that ever

here now along the long deep water that ever
I thought that always that never that you would never
that frost would never that no ice would ever the water



here now along the long deep water I never thought
that snow would ever the cypress I never thought
that snow that the cypress would never that you would never more


Remco Campert (lido pelo próprio e devidamente pontuado)

5.6.08

Faz, Não Faças, O Raio de Uma Nota

Que se lembre, Gould sempre se sentiu perplexo com a sua própria personalidade. A História Oral inclui alguns textos autobiográficos, que diz serem outras tantas tentativas de se explicar a si próprio. Num deles - «Por que Sou Incapaz de Me Adaptar À Civilização tal como Ela É, ou Faz, Não Faças, Faz, Não Faças, O Raio de Uma Nota» - chegou à conclusão que a sua timidez era a responsável de tudo. «Sou introvertido e extrovertido, numa só pessoa», escreveu ele, «uma mistura contraditória de recluso e de leiloeiro da Sexta Avenida. Um pé diz faz, o outro não faças. Um pé diz cala a boca, o outro berra como uma vaca. Sou de uma timidez doentia, mas faço tudo para que os outros não se apercebam. Eram capazes de se aproveitar disso.»

Joseph Mitchell e Joe Gould (O Segredo de Joe Gould)