25.6.08

Que repouse em revolta

No escuro, na noite estará a sua memória
no que sofre, no que supura
no que busca e não encontra
na barca destroçada no areal
na bala que deixa um rasto sibilante no espaço
na ilha de enxofre estará a sua memória.

Naquele que vive na febre e ignora as paredes
naquele que se atira e só dá pela cabeça quando ela bate nas paredes
no ladrão que se não arrepende
no fraco recalcitrante perpétuo
no pórtico destruído estará a sua memória.

Na estrada obsessiva
no coração procurando a sua praia
no amante a quem o corpo foge
no viandante que o espaço devora.

No túnel
no tormento rodando sobre si próprio
no impávido que se atreve a profanar os cemitérios.

Na órbita incendiada dos astros despedaçando-se ao chocar uns com os outros
no navio fantasma, na noiva maculada
na canção crepuscular estará a sua memória

Na presença do mar
na distância do juiz
na cegueira
na taça de veneno.

No capitão dos sete mares
na alma de quem limpa a adaga
no orgão que pelos tubos chora por todo um povo
no dia em que se cospe na dádiva.

Na fruta de inverno
nos pulmões das batalhas intermináveis
no louco na canoa.

Nos braços convulsos dos nunca aplacados desejos estará a sua memória.


Henri Michaux (Herberto Helder - Doze Nós numa Corda)

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