29.8.07

With Mercy For The Greedy

for my friend Ruth, who urges me to make an
appointment for the Sacrament of Confesson

Concerning your letter in which you ask
me to call a priest and in which you ask
me to wear The Cross that you enclose;
your own cross,
your dog-bitten cross,
no larger than a thumb,
small and wooden, no thorns, this rose --

I pray to its shadow,
that gray place
where it lies on your letter... deep, deep.
I detest my sins and I try to believe
in The Cross. I touch its tender hips, its dark jawed face,
its solid neck, its brown sleep.

True. There is
a beautiful Jesus.
He is frozen to his bones like a chunk of beef.
How desperately he wanted to pull his arms in!
How desperately I touch his vertical and horizontal axes!
But I can't. Need is not quite belief.

All morning long
I have worn
your cross, hung with package string around my throat.
It tapped me lightly as a child's heart might,
tapping secondhand, softly waiting to be born.
Ruth, I cherish the letter you wrote.

My friend, my friend, I was born
doing reference work in sin, and born
confessing it. This is what poems are:
with mercy
for the greedy,
they are the tongue's wrangle,
the world's pottage, the rat's star.


Anne Sexton (com um agradecimento especial ao Nuno Q)

22.8.07

Voltas a mote próprio

(apontamentos para uma (re)leitura)

"Depois de quatro anos passados em Genebra, Sabina vivia em Paris e nunca mais se recompunha da sua melancolia. Se lhe perguntassem o que lhe acontecera, não teria palavras para o dizer. Pode sempre explicar-se o drama de uma vida através da metáfora do peso. Costuma dizer-se que nos caiu um fardo em cima. Carregamos com esse fardo, suportamo-lo ou não o suportamos. Lutamos com ele, perdemos ou ganhamos. Mas o que acontecera ao certo a Sabina? Nada. Deixara um homem porque queria deixá-lo. Esse homem tinha vindo atrás dela? Tinha querido vingar-se? Não. O seu drama não era o drama do peso, mas o da leveza. O que se abatera sobre ela não era um fardo, mas a insustentável leveza do ser."

Milan Kundera (in, A Insustentável Leveza do Ser)

21.8.07

Ainda o tema


















«O tema é essencial e o único tema válido é aquele que se situa fora do tempo e é trágico.» Mark Rothko (in, A Memória dos Outros, de Marcello Duarte Mathias)

(para uma outra composição de Rothko, fica a sugestão da que pode ser encontrada aqui)

14.8.07

o tema da estação e da morte

«a sombria beleza do tema
da estação e da morte», diz o Kundera algures.
nesta imagem desenha-se um olival perdido
de surdas tonalidades, atrás do cais de onde

se despenhou alguém, alguma forma
aflita e trágica, vinda do fundo súbito de uma
paisagem tão modesta, sob as vozes
de quem chega e quem parte, ou simplesmente foi ali para olhar

outros seres de passagem, outros rasos destinos sem anjo para o remorso.
há flores, dirás, algumas flores diurnas, confiantes,
que outras mãos hão-de dispor na jarra, relembrada
junto à parede branca, mas essas são um ténue

sopro de acaso, ou um fulgor antecipando outra nudez.
quando a luz já se tornou mais húmida e quase musical,
e através da folhagem a harpa do desgaste estremeceu,
e passaram as horas e passaram,

pesadas, contadas, divididas, já não dói
a beleza de alguém que vai partir, a sombria beleza
da sua ocultação intransmissível, uma brisa leve misturar-se-á
ao cheiro de óleo, aos acenos afectuosos, aos

ruídos do tema da estação. é tudo. à noite o olival
será uma massa negra de clareiras adiadas,
atrás do cais sem ninguém e sem tempo, como sempre acontece
nas pequenas estações de uma província da alma.


Vasco Graça Moura

5.8.07

Da Criação

(Mito da Criação)

No princípio existia uma enorme gota de leite.
Então chegou Doondari e criou a pedra.
A pedra criou o ferro;
E o ferro criou o fogo;
E o fogo criou a água;
E a água criou o ar.
Então Doondari desceu pela segunda vez.
Juntou os cinco elementos
E moldou-os num homem,
Mas o homem era orgulhoso.
Então Doondari criou a cegueira e a cegueira derrotou o homem.
Mas quando a cegueira se tornou demasiado orgulhosa,
Doondari criou o sono, e o sono derrotou a cegueira;
Mas quando o sono se tornou demasiado orgulhoso,
Doondari criou a preocupação, e a preocupação derrotou o sono;
Mas quando a preocupação se tornou demasiado orgulhosa,
Doondori criou a morte, a a morte derrotou a preocupação.
Quando a morte se tornou demasiado orgulhosa,
Doondari desceu pela terceira vez.
E ele veio como Gueno, o Eterno,
E Gueno derrotou a morte.

do povo Fulani, Mali (in Rosa do Mundo)

1.8.07

Da Identidade

Tirésias

Eu, tal como aqui me vês, nasci louco, segundo o teu juízo; mas sensato, segundo aqueles que te geraram.

Édipo

Segundo quem?! Espera! E quem foi dos mortais que me gerou?

Tirésias

Este dia te há-de gerar e destruir.


Rei Édipo (Sófocles)