28.6.07

And if I Know for sure that I'm a fraud?










Em Stalker, de Andrei Tarkovsky, interpela-nos o 'Escritor':

A man writes because he is tormented, because he doubts. He needs to constantly prove to himself and the others that he's worth something. And if I know for sure that I'm a genius? Why write then? What the hell for?

Ora, a questão que temos vindo a colocar tem a mesma crueza axiomática, a mesma lógica irrepreensível: "And if I Know for sure that I'm a fraud? Why write then? What the hell for?" Supõe-se que o homem (este homem) duvida, que é até atormentado pela dúvida, dentro da geometria um pouco simples das suas estruturas e proposições, é claro. Como provar então a si mesmo e aos outros que vale alguma coisa? A resposta é simples: não prova, não escreve.

25.6.07

Comboios

O pensamento alude ao norte, a essa ideia que relaciona o norte com o frio puro e a dramática alegria da neve, das temperaturas muito baixas. Alude também à viagem sem fé, inconsequente, feita com o inexplicável ardor de quem se inicia na eternidade.
(...)
O meu gosto pela exactidão já sabe o horário dos comboios que possivelmente (evidentemente) nem vão para lá.

Os Passos em Volta (Herberto Helder)

24.6.07

18.6.07

C

O diário vê-se assim convertido num dispersário vivo a meio caminho de uma (re)composição suposta. À luz das premissas, a autoria é um academismo inútil. É apenas uma questão de honestidade e incompetência.

B

Se desmonto o meu Eu peça a peça, encontro sempre fragmentos que procedem de fora; podia apor, em cada um, uma etiqueta de origem. Isto é de minha mãe, isto do meu primeiro amigo, isto de Emerson, isto de Rousseau, isto de Stirner. Se realizo a fundo o inventário das apropriações, o Eu, converte-se numa forma vazia, numa palavra sem sentido próprio.

Giovanni Papini, (Gog)

A

Escrever é tomarmos consciência da nossa singularidade. Do que fomos e somos. Em última análise, sim, escrever é uma forma de exílio. O diário - ou melhor o género que se designa por diário íntimo - é uma procura permanente da nossa individualidade.
(...)
Todo o diarista, e são inúmeros os exemplos que o comprovam, passa por fases contraditórias que são características afinal da prática diarística. Momentos de euforia e depressão, por vezes quase em simultâneo. Regra geral, o diário traduz um duplo movimento, a saber: um desejo de autoconhecimento em paralelo com a vontade de se inventar, de ser outro.

Marcello Duarte Mathias, em entrevista ao DN (22/05/2007)

10.6.07

nacional-Subjectivismo

O dia em que nasci moura e pereça,
Não o queira jamais o tempo dar;
Não torne mais ao mundo, e, se tornar,
Eclipse nesse passo o Sol padeça.

A luz lhe falte, o Sol se [lhe] escureça,
Mostre o Mundo sinais de se acabar,
Nasçam-lhe monstros, sangue chova o ar,
A mãe ao próprio filho não conheça.

As pessoas pasmadas, de ignorantes,
As lágrimas no rosto, a cor perdida,
Cuidem que o mundo já se destruiu.

Ó gente temerosa, não te espantes,
Que este dia deitou ao Mundo a vida
Mais desgraçada que jamais se viu!


Luís Vaz de Camões

9.6.07

O coração

No deserto,
vi uma criatura nua, brutal,
que de cócoras na terra
tinha o seu próprio coração
nas mãos, e comia...
Disse-lhe: «É bom, amigo?»
«É amargo - respondeu -,
amargo, mas gosto
porque é amargo
e porque é o meu coração.»

Stephen Crane (mudado para português por Herberto Helder)

3.6.07

Deserto

16

Esta inconstância de mim próprio em vibração
É que me há-de transpor às zonas intermédias,
E seguirei entre cristais de inquietação,
A retinir, a ondular... Soltas as rédeas,
Meus sonhos, leões de fogo e pasmo domados a tirar
A torre de oiro que era o carro da minha Alma,
Transviarão pelo deserto, moribundos de Luar -
E eu só me lembrarei num baloiçar de palma...
Nos oásis depois hão-de se abismar gumes,
A atmosfera há-de ser outra, noutros planos;
As rãs hão-de coaxar-me em roucos tons humanos
Vomitando a minha carne que comeram entre estrumes...

Mário de Sá-Carneiro

1.6.07

On the Nickel


Sticks and stones will break my bones,
But i always will be true, and when
Your mama is dead and gone,
I'll sing this lullabye just for you,
And what becomes of all the little boys,
Who never comb their hair,
Well they're lined up all around the block,
On the nickel over there.

So you better bring a bucket,
There is a hole in the pail,
And if you don't get my letter,
Then you'll know that i'm in jail,
And what becomes of all the little boys,
Who never say their prayers,
Well they're sleepin' like a baby,
On the nickel over there.

And if you chew tobacco, and wish upon a star,
Well you'll find out where the scarecrows sit,
Just like punchlines between the cars,
And i know a place where a royal flush,
Can never beat a pair, and even thomas jefferson,
Is on the nickel over there.

So ring around the rosie, you're sleepin' in the rain,
And you're always late for supper,
And man you let me down again,
I thought i heard a mockingbird, roosevelt knows where,
You can skip the light, with grady tuck,
On the nickel over there.

So what becomes of all the little boys,
Who run away from home,
Well the world just keeps gettin' bigger,
Once you get out on your own,
So here's to all the little boys,
The sandman takes you where,
You'll be sleepin' with a pillowman,
On the nickel over there.

So let's climb up through that button hole,
And we'll fall right up the stairs,
And i'll show you where the short dogs grow,
On the nickel over there.


Tom Waits (On the Nickel - Heartattack and Vine)