31.1.09

Leitura Oblíqua (V), Freudiana nº1

Tanto desejei ter um pai. Quer dizer: um pai como a mulher... que se procura, se escolhe e quando se encontra, é a grande maravilha.

Henri Michaux, Equador, p. 47

Leitura Oblíqua (IV)

Não sou grande cabeça, de maneira que me escapam muitas coisas que devia compreender. É lamentável.
Os doentes vêem personagens infernais nas paredes dos quartos, onde afinal só há pequenos incidentes de luz, linhas, manchas, uma fenda.

Henri Michaux, Equador, p. 35-36

26.1.09

Leitura Oblíqua (III)




















































O nome. Procurava nomes e sentia-me infeliz. O nome: valor fora do tempo, e de larga experiência.
Só os há para os pintores no primeiro contacto com o estrangeiro; o desenho, a cor, que todo tão imediato! (...) Um nome é um objecto a desprender.
Ter de desprendê-los. (...)
Ouça-se o público num salão de pintura. De súbito, depois de haver insistentemente procurado, alguém aponta o dedo para o quadro e diz: "É uma macieira". Sentimo-lo aliviado.
Desprendeu uma macieira da pintura! Eis um homem feliz.
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Já repararam como nos aproximamos sem custo da água e quantas pinturas já vimos sobre este tema? É que estar junto da água nunca é ridículo, não compromete ninguém, não tem sombra de sectarismo, não diz nada de previamente decidido, deixa-nos pensar... Árvores, prados, montanhas já são outra coisa, têm lá a sua ideia, dizem-na a fundo e para sempre, e obrigam-nos a participar.

Henri Michaux, Equador, p. 28-30 (sob pinturas do próprio)

24.1.09

Leitura Oblíqua (II)

Oceano Sólido

Quanto ao nosso patinador, é como um ciclista numa ravina. Mas a ravina torna-se montanha, lança-o no vazio, arroja-o para o sopé, depois é o sopé que se torna montanha, eleva-o, lança-o pela borda fora, depois a montanha torna-se outra vez ravina, ravina-montanha, tic-tac...
Debaixo da camisola que lhe fica lindamente, tem as costelas quebradas, parece que lhe moeram as costas à paulada. O sangue apareceu-lhe na boca com a sua maneira de dizer que é grave e que é preciso chamar o médico.

Henri Michaux, Equador, p. 22

23.1.09

Leitura Oblíqua (I)

Só escrevi as poucas linhas precedentes e já estou a matar esta viagem. Julgava-a tão grande. Não. Dará umas poucas de páginas e é tudo.

Henri Michaux, Equador, p. 13

12.1.09

Que és tu aqui?

Faze as malas para Parte Nenhuma!
Embarca para a universalidade negativa de tudo
Com um grande embandeiramento de navios fingidos —
Dos navios pequenos, multicolores, da infância!
Faz as malas para o Grande Abandono!
E não esqueças, entre as escovas e a tesoura,
A distância policroma do que se não pode obter.
Faze as malas definitivamente!
Que és tu aqui, onde existes gregário e inútil —
E quanto mais útil mais inútil —
E quanto mais verdadeiro mais falso —
Que és tu aqui? que és tu aqui? que és tu aqui?
Embarca, sem malas mesmo, para ti mesmo diverso!
Que te é a terra habitada senão o que não é contigo?


Álvaro de Campos, Poesia, p. 479 (Assírio e Alvim, 2002)

1.1.09

200' (ou Não existe nenhum 2009)







































|Escritor| Meu amor, o mundo é enfadonho até mais não. Não há nada: nem telepatia, nem fantasmas, nem discos voadores, nada disso existe. O mundo é regido pelas leis do ferro-fundido. É triste. Infelizmente, estas leis são invioláveis. Elas não sabem violar-se a si próprias. Não conte com discos voadores, seria demasiado empolgante.

| E o triângulo das Bermudas? não me quererá dizer que...

|Escritor| Quero. Não existe nenhum triângulo das Bermudas, Existe apenas o triângulo ABC semelhante ao triângulo A'B'C'. Não sente a tristeza fatal dessa afirmação? Por exemplo, interessante era viver na Idade Média. Cada casa tinha um duende, cada igreja, Deus. A Humanidade era jovem! Agora, um em cada quatro é um velho. Fastidioso, meu anjo!

| Mas dizia que a Zona é obra de uma super-civilização...

|Escritor| Porventura, também é enfadonha, com as suas leis e triângulos, sem duendes e, certamente, sem Deus. Porque, se Deus é o tal triângulo... então, já não sei nada.


Andrei Tarkovski, Stalker (1979)