6.5.08

Uma justificação à medida do século

"Mas a confusão entre a inteligência, a estupidez, a vulgaridade e a beleza é tão grande e tão enredada que para muita gente é mais fácil acreditar num mistério, razão pela qual anunciam constantemente o declínio de alguma coisa que se furta a um juízo exacto e se revela solenemente imprecisa. No fundo, é perfeitamente indiferente que a isso se chame raça, vegetarianismo ou alma: todo o pessimismo saudável precisa apenas de ter qualquer coisa de inexorável a que se possa agarrar. O próprio Walter, que nos seus melhores anos teria sido capaz de se rir dessas doutrinas, acabou por descobrir as suas vantagens quando se pôs a experimentá-las. Se até aí fora ele a sentir-se mal e incapaz de trabalhar, agora a incapacidade era dos tempos, e ele saudável. A sua vida, que não levara a nada, encontrava agora uma explicação prodigiosa, uma justificação à medida do século, e digna dele; ganhava mesmo a aura de um grande sacrifício de cada vez que ele pegava na pena ou no lápis para logo os largar."

O Homem sem Qualidades, Livro I, p. 101 (Robert Musil)

Sem comentários: