10.7.08

Les Paradis Artificiels

"In his first book, Nietzsche defined ebriety as "nature's game with man". Playing is not working or building. It is not performed out of necessity; there's always some form of pleasure as fuel: we play because we play, gratuituosly. Let me add that this play includes two elements in perpetual association: the what and the who. Divided into somebody (that is) feeling, and something (that is) felt, we find that knowledge is our fate, because we are the who, the rest is the what, and the shuttling back and forth of subject and object makes science. Undivided, the what and the who happen to be life, simple life. Knowledge tends to separate, analysing, just as life tends to incorporate, synthezising.
(...)
As old and modern heathens, I consider ebriety to be a remedy against the contraction of our ego, which brings us back, once and again, to a basically "transpersonal" health. In healthy people, when ebriety pushes away the masks the usual outcome is explosions of laughter, followed by different insights.
(...)
Demonizing them [drugs] has only made us more helpless, more cruel towards our fellowmen and more idiotic in the original sense of the word -for idiotés means in classical Greek a person who blindly delegates to others the care of public things. Not only our well-being, but the well-being of our sons and grandsons, depends on disseminating patterns of sobria ebrietas, which reconsider the use of psychoactive drugs as a moral and aesthetical challenge, essentially related to the adventure of knowledge -and also as a palliative for difficult parts of our existence, and for bitter lives. In other words, we should dignify what is now debased, in order to cope with the generalized delusion and abuse created by the prohibitionist experiment."

Voici les temps des Assassins

Antonio Escohotado

25.6.08

Que repouse em revolta

No escuro, na noite estará a sua memória
no que sofre, no que supura
no que busca e não encontra
na barca destroçada no areal
na bala que deixa um rasto sibilante no espaço
na ilha de enxofre estará a sua memória.

Naquele que vive na febre e ignora as paredes
naquele que se atira e só dá pela cabeça quando ela bate nas paredes
no ladrão que se não arrepende
no fraco recalcitrante perpétuo
no pórtico destruído estará a sua memória.

Na estrada obsessiva
no coração procurando a sua praia
no amante a quem o corpo foge
no viandante que o espaço devora.

No túnel
no tormento rodando sobre si próprio
no impávido que se atreve a profanar os cemitérios.

Na órbita incendiada dos astros despedaçando-se ao chocar uns com os outros
no navio fantasma, na noiva maculada
na canção crepuscular estará a sua memória

Na presença do mar
na distância do juiz
na cegueira
na taça de veneno.

No capitão dos sete mares
na alma de quem limpa a adaga
no orgão que pelos tubos chora por todo um povo
no dia em que se cospe na dádiva.

Na fruta de inverno
nos pulmões das batalhas intermináveis
no louco na canoa.

Nos braços convulsos dos nunca aplacados desejos estará a sua memória.


Henri Michaux (Herberto Helder - Doze Nós numa Corda)

17.6.08

Untitled



Sigur Ros ( ), 1.

15.6.08

Coma quen olla un pozo

... "a Galiza onde chove o tempo inteiro, rosas que nascem do mar" (António Lobo Antunes, in Exortação aos Crocodilos)


"Veleiquí a man alongada na
direución do tempo e os ollos reptando como
un río que escorre en folgados
anuncios da final derrota no
mar e veleiquí a man concentrada de
sempre, cerciorando a condición imposible
de cada cousa e veleiquí os ollos que
capaces serían de pór ponto final á
direución do tempo e declaro formalmente que
cada intento de achega-la man - veleiquí
a man alongada cara ti e vós - afoga nas
toldadas augas dos vencidos meus
ollos, á espera dunha poboación máis fera
e leda e veleiquí o remate do
vivir, tantos e tantos anos retrasado."


"Atópome coa testa contra o muro.
Convócome a min mesmo coma quen olla un pozo.
Volta un neno perdido
por rúas de fume, por pasigos brancos,
tráxico, con tatuaxes nas meixelas
e lumes pequenos en cada dedo.
Voltan tempos ourizo de rapiña e disparos,
de angurias decoradas por cregos e trompetas,
estampas e desfiles. E todo que se para.
Locen asombros, fórmanse estalidos, redondéanse lombos,
e mamai dime algo tremendamente pedra
que me pon no meu sitio.

Retorna agora o día da ira, o tremendo intre
en que perdín os ollos e fíxenme acibeche, cactus e pedra alumbre.

e quedeime en Ourense
fitando con horror este río do tempo"


Xosé Luís Méndez Ferrín (Con pólvora e magnolias)

13.6.08

O Eu inconcluso,

13-06-1916

Cheguei, assim, ao meu 28.º aniversário sem nada ter feito na vida - nada na vida, nas letras ou na minha própria individualidade. Até agora conheci o insucesso absoluto. Durante quanto tempo, ai de mim!, terei de conhecê-lo ainda?
Quanto mais examino a minha consciência, menos me absolvo do nada que é a minha vida.
Que coisa horrível é esta que tanto me atrasou?
A minha leitura deficiente, a minha falta de espírito prático,


Fernando Pessoa (Prosa Íntima e de Autoconhecimento)

7.6.08

Lament

Here now along the long deep water
that I thought that I thought that you always
that you always

here now along the long deep water
where behind the rushes behind the rushes the sun
that I thought that you always but always

that always your eyes your eyes and the breeze
your eyes and the breeze
always ruffling ruffling the water

that always in a trembling silence
that I would always live in a trembling silence
that you always those waving rushes always

along the long deep water that your skin would always
that always in the afternoon your skin
always in the summer in the afternoon your skin

that always your eyes would melt
that your eyes would always melt in happiness
always in the motionless afternoon

along the long deep water that I thought
that I thought you would always
that I thought that happiness would always

that always the light motionless in the afternoon
that always the afternoon light your ochre-coloured shoulder
your ochre-coloured shoulder always in the afternoon light

that always your cry hanging
always your bird’s cry hanging
in the afternoon in the summer in the breeze

that always the breeze trembling that always but
always the ruffled water the afternoon your skin
I thought that everything would always I did not think that ever

here now along the long deep water that ever
I thought that always that never that you would never
that frost would never that no ice would ever the water



here now along the long deep water I never thought
that snow would ever the cypress I never thought
that snow that the cypress would never that you would never more


Remco Campert (lido pelo próprio e devidamente pontuado)

5.6.08

Faz, Não Faças, O Raio de Uma Nota

Que se lembre, Gould sempre se sentiu perplexo com a sua própria personalidade. A História Oral inclui alguns textos autobiográficos, que diz serem outras tantas tentativas de se explicar a si próprio. Num deles - «Por que Sou Incapaz de Me Adaptar À Civilização tal como Ela É, ou Faz, Não Faças, Faz, Não Faças, O Raio de Uma Nota» - chegou à conclusão que a sua timidez era a responsável de tudo. «Sou introvertido e extrovertido, numa só pessoa», escreveu ele, «uma mistura contraditória de recluso e de leiloeiro da Sexta Avenida. Um pé diz faz, o outro não faças. Um pé diz cala a boca, o outro berra como uma vaca. Sou de uma timidez doentia, mas faço tudo para que os outros não se apercebam. Eram capazes de se aproveitar disso.»

Joseph Mitchell e Joe Gould (O Segredo de Joe Gould)

9.5.08

The Invented Reality (2)















M.C. Escher - Drawing Hands

The Invented Reality

"A cell stands ou of a molecular soup by defining and specifying boundaries that set it apart from what it is not. However, this specification of boundaries is done through molecular productions made possible through the boundaries themselves. (...)
That the world should have this plastic texture, neither subjective nor objective, not one and separable, neither two and inseparable, is fascinating. It points both to the nature of the process, which we can chart in all of its formality and materiality, as well as to the fundamental limits about what we can understand about ourselves and the world. It shows that reality is not just constructed at our whim, for that would be to assume that there is a starting point we can choose from: inside first. It also shows that reality cannot be understood as given and that we are to perceive it and pick it up, as a recipient, for that would also be to assume a starting point: outside first. It shows, indeed, the fundamental groundlessness of our experience (...)" 1

"Constructivism does not create or explain any reality "out there"; is shows that there is no inside and no outside, no objective world facing the subjective, rather, it shows that the subject-object split, that source of myriads of "realities", does not exist, that the apparent separation of the world into pairs of opposits is constructed by the subject, and that paradox opens the way into autonomy." 2


Franciso Varela (1) e Paul Watzlawick (2) (The Invented Reality)

6.5.08

Uma justificação à medida do século

"Mas a confusão entre a inteligência, a estupidez, a vulgaridade e a beleza é tão grande e tão enredada que para muita gente é mais fácil acreditar num mistério, razão pela qual anunciam constantemente o declínio de alguma coisa que se furta a um juízo exacto e se revela solenemente imprecisa. No fundo, é perfeitamente indiferente que a isso se chame raça, vegetarianismo ou alma: todo o pessimismo saudável precisa apenas de ter qualquer coisa de inexorável a que se possa agarrar. O próprio Walter, que nos seus melhores anos teria sido capaz de se rir dessas doutrinas, acabou por descobrir as suas vantagens quando se pôs a experimentá-las. Se até aí fora ele a sentir-se mal e incapaz de trabalhar, agora a incapacidade era dos tempos, e ele saudável. A sua vida, que não levara a nada, encontrava agora uma explicação prodigiosa, uma justificação à medida do século, e digna dele; ganhava mesmo a aura de um grande sacrifício de cada vez que ele pegava na pena ou no lápis para logo os largar."

O Homem sem Qualidades, Livro I, p. 101 (Robert Musil)

19.4.08

O Homem Absurdo ou "Homo (in)Significans"

"O que sei, o que é certo, o que não posso negar, o que não posso rejeitar, eis o que conta. Posso negar tudo dessa parte de mim que vive de nostalgias incertas, salvo esse desejo de unidade, esse apetite de resolver, essa exigência de clareza e de coesão. Posso refutar tudo neste mundo que me rodeia, me choca ou me arrebata, excepto este caos, este acaso-rei e esta equivalência divina que nasce da anarquia. Não sei se este mundo tem um sentido que o ultrapassa. Mas sei que não conheço tal sentido e que, de momento, me é impossível conhecê-lo. Que significa, para mim, um significado fora da minha condição?"

O Mito de Sísifo (Albert Camus)

1.4.08

a hundred indecisions

And indeed there will be time
For the yellow smoke that slides along the street,
Rubbing its back upon the window-panes;
There will be time, there will be time
To prepare a face to meet the faces that you meet;
There will be time to murder and create,
And time for all the works and days of hands
That lift and drop a question on your plate;
Time for you and time for me,
And time yet for a hundred indecisions
And for a hundred visions and revisions,
Before the taking of a toast and tea.
(...)
For I have known them all already, known them all: --
Have known the evenings, mornings, afternoons,
I have measured out my life with coffee spoons;
I know the voices dying with a dying fall
Beneath the music from a farther room.
So how should I presume?
(...)
I grow old . . . I grow old . . .
I shall wear the bottoms of my trousers rolled.

Shall I part my hair behind? Do I dare to eat a peach?
I shall wear white flannel trousers, and walk upon the beach.
-----------------------------------


The Love Song of J. Alfred Prufrock (T.S. Eliot)

27.2.08

Viagem Nunca Feita (outra, a mesma)

"Foi por um crepúsculo de vago outono que eu parti para essa viagem que nunca fiz.
(...)
Eu não parti de um porto conhecido. Nem hoje sei que porto era, porque ainda nunca lá estive. Também, igualmente, o propósito ritual da minha viagem era ir em demanda de portos inexistentes - portos que fossem apenas o entrar-para-portos; enseadas esquecidas de rios, estreitos entre cidades irrepreensivelmente reais.
(...)
Eu parti? Eu não vos juraria que parti. Encontrei-me em outras partes, vi outros portos, passei por cidades que não eram aquela, ainda que nem aquela nem essa fossem cidades algumas. Jurar-vos que fui eu que parti e não a paisagem, que fui eu que visitei outras terras e não elas que me visitaram - não vo-lo posso fazer. Eu que, não sabendo o que é a vida, nem sei se sou eu que a vivo se é ela que me vive (tenha esse verbo oco «viver» o sentido que quiser ter), decerto não vos irei jurar qualquer coisa.
(...)
Triunfo-me assim de toda a realidade. Castelos de areia, os meus triunfos?... De que coisa essencialmente divina são os castelos que não são de areia?
(...)
Não desembarcar não tem cais onde se embarque. Nunca chegar implica não chegar nunca."

Livro do Desassossego (Bernardo Soares)

16.2.08

As Viagens/O Tema

Tous les voyages sont le début d'un retour aux sources. Un retour aux sources est le début de tous les voyages

Dispersos (Al Berto)

6.2.08

1

quando aqui não estás
o que nos rodeou põe-se a morrer

a janela que abre para o mar
continua fechada só nos sonhos
me ergo
abro-a
deixo a frescura e a força da manhã
escorrerem pelos dedos prisioneiros
da tristeza
acordo
para a cegante claridade das ondas

um rosto desenvolve-se nítido
além
rasando o sal da imensa ausência
uma voz

quero morrer
com uma overdose de beleza

e num sussuro o corpo apaziguado
perscruta esse coração
esse
solitário caçador


Vigílias (Al Berto)

4.2.08

Attachments (3)

Father. Undress yourself. While you still may.
Show me what time has scarred
since we sat in the bath together and I proved
that waterdrops want to touch one another.

Fear not. We have similar structures.
Legs, back, nails and countless gestures.

I do not want to wait for twenty-seven more years
and see how hyperpigmentation
spreads, skin slackens and
veins burst.

Show me what is left when you no
longer make love.
Recount names of women and let us
roar and resign.

Eddy Van Vliet